Por que ocorre isso comigo? Por que acabo encontrando com homens que não se interessam por mim? No início tudo começa muito bem, mas logo volto a ser um zero à esquerda. É como se, de um dia a outro, me tornasse invisível. Sempre me pergunto: que faço de errado? que faço para que isso ocorra? Mas não consigo encontrar a resposta.

Samanta, uma jovem de 36 anos, começou a se consultar comigo por conta de sua separação mais recente. Ela já havia feito terapia para trabalhar este tema em ocasiões anteriores e, ainda que soubesse que esse padrão se originava em sua infância, não tinha podido fechar esse capítulo e deixá-lo atrás.

Parecia que sua menina interior precisava de experimentar essa situação uma e outra vez, até curar-se por completo.

Durante esta sessão, foi a um espaço no qual recordou muitas cenas de sua vida e nas quais encontrava o mesmo sentido: uma sensação de ser invisível. De ser totalmente ignorada, como se não existisse. Mas esta ocasião chegou até a origem de sua história.

Infância invisível

Enquanto retrocedia no tempo, lembrou-se de muitos momentos…

  • Estar triste por ter terminado com seu namorado e escutar seu pai dizer: “Você está triste, mas é normal desta fase. São os hormônios, é a adolescência, não dê importância. Já passará.”
  • Falar com sua mãe de uma situação que a preocupava na escola e dar-se conta de que sua mãe não lhe prestava atenção, simplesmente deixava de escutá-la.
  • Passar horas, em silêncio, pela lei do gelo que seu papai lhe havia imposto depois de tê-lo decepcionado por seu comportamento em uma festa.
  • Estar sentada no cantinho do pensamento, uma e outra vez, por se comportar mal.
  • Chegar feliz para mostrar-lhe um desenho a seu pai, que a recebia com um “agora não posso que estou ocupado”.
  • Estar fazendo birra e escutar seu pai dizer: “Chora para chamar sua atenção. Se você faz caso, vai seguir fazendo birra”.

Samantha danou a chorar. Encolheu-se no sofá enquanto chorava, e a convidei a ir mais profundo… até o fundo. Entregou-se à dor, à raiva impotente que sentia, à tristeza. Acompanhei-a uns minutos, desde meu lugar. Antes de curar seu abandono, precisava reconhecê-lo totalmente.

Descreveu-me uma vaga lembrança, mas muito real, uma sensação de chorar e chorar, sem receber consolo. Descreveu-se estando em um berço, há dias de haver nascido, sentindo que estava sozinha, amedrontada…

Ignorar é maltratar

Muitos de nós sofremos na própria carne as sequelas da influência de uma educação baseada em ignorar o outro:

  • Não lhe faça caso. Deixe-o chorar. Assim se acostumará a acalmar-se sozinho.
  • Se você lhe faz caso, o único que conseguirá é reforçar a birra.
  • Chora para chamar sua atenção. Se você o consola, seguirá fazendo o mesmo.
  • Não lhe faça caso ou se tornará um tirano.

É a educação que ignora, não porque sua filosofia fosse ignorar as necessidades das crianças, mas sim pela ignorância que demonstravam os adultos com respeito às necessidades mais profundas de seus filhos em cada etapa de seu desenvolvimento.

Quando uma criança chora porque não conseguiu algo, quando grita porque se sente mal, quando não pode se acalmar, ou quando se separa de seus pais, tem um claríssimo objetivo para fazê-lo. Não se trata de irritá-los, nem manipulá-los ou desafiá-los. Isso chega depois, quando depois de reclamar sua parte de segurança e apego, ninguém lhe responde. Então, seu mecanismo de sobrevivência se ativa e faz o que seja para obter esse apego que tanto precisa para viver.

O que seu filho quer é sentir que você compreende seu mal-estar e que está a seu lado, do seu lado. Às vezes poderá ajudá-lo, às vezes não. Mas isso não é tão importante para ele como que entenda como se sente.

O que transmite à criança quando a ignora?

  • Que não é importante para você, não o suficientemente importante para que leve a sério suas necessidades.
  • Que não é bom comunicar seus sentimentos, já que as reações dos demais não se correspondem com o que está expressando, inclusive são negativas. “É perigoso demonstrar meus sentimentos”.
  • Que é melhor viver desconectado de suas emoções, inclusive de suas necessidades.
  • Que não é o suficientemente valioso, que não te merece…

Viver ignorado provoca uma profunda rejeição. Muitas pessoas preferem rejeitar antes que vivê-lo de novo, porque é muito doloroso. No caso de Samantha, este era um padrão muito arraigado em sua história. Graças a seu enorme valor e compromisso, finalmente pode transformá-lo.

Sua história transmite uma mensagem muito clara:

O que fazemos com nossos filhos na infância, repercute para toda sua vida.

Hoje presenteio você com esta história. E com ela, convido-o(a) a exigir-se, todos os dias, um pouco mais de si mesmo. Aprenda a estar realmente presente na vida de seus filhos. Só assim poderá valorizar e receber a enorme benção de ser mãe ou pai.

Gaby González – Psicoterapeuta

Texto de @ninosdeahora.tv

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