Neste post lindos poemas infantis de Roseana Murray para apresentar a nossos filhos. Roseana é poetisa e escritora contemporânea de obras infanto-juvenis brasileira. A escritora brasileira começou a escrever para crianças em 1980, com o livro “Fardo de Carinho”, influência direta de “Ou isto ou aquilo”, de Cecília Meireles.
Antes de começar a ler os 63 poemas selecionados de Roseana Murray, recomendamos que visite também:
Poemas infantis de Roseana Murray
Colo de avó
Tem avó que é diferente,
nada de cachorro, gato,
cavalo ou duende.
Galinha de estimação
é o que a avó carrega
feito mapa do tesouro,
para lá e para cá
(parecem duas dançarinas).
e para quem conta
os seus segredos, fala do tempo,
do que vai colher, do que vai plantar.
A galinha concorda: có,
discorda: cócó,
Às vezes dorme, às vezes acorda
e muitas vezes esquece
que a avó não é galinha.
Apesar de tão quentinha,
a avó é gente.
Máquina de costura
A avó tem uma máquina
de costura
que foi da mãe da sua mãe,
da sua avó.
A avó pedala a máquina
e costura rendas na barra
dos vestidos,
costura um sol e uma lua
no bolso das camisas,
costura uma hora na outra,
um carinho no outro.
E o chão fica cheio de fios
e linha colorida
enquanto a avó vai costurando
amor.
Passarinhos
A avó é amestradora
de passarinhos.
Ela canta, assovia.
do seu corpo o amor escapa
e enlaça o ar.
Então os passarinhos
voam para seus braços
e ela vira ninho.
O mestre de cerimônias
Minhas senhoras e meus senhores,
este é o mestre de cerimônias.
Sem cerimônia nenhuma,
vai caminhando à vontade
entre sonhos e trapézios.
O circo é a sua casa
e a sua cidade.
Não sossega um instante;
com um novelo de luz
vai costurando o espetáculo
Hibisco
Há flores que se comem
como se fossem frutas,
numa comunhão entre
os olhos, a boca, o jardim.
Hibiscos coloridos, caprichosos,
derramam no prato a sua beleza,
passageira como um relâmpago,
e ao morder um hibisco
nos transformamos em poesia.
O mágico
Na noite do circo, o mágico
desperta estrelas, descostura
os fios do impossível,
acende com cuidado uma surpresa a cada passo…
E logo um lenço vira lança,
um leque vira laço,
o circo todo vira magia,
vira dança.
O elefante
De que tamanho será
um sonho de elefante?
Deve ocupar três noites inteiras e mais a metade de um dia
De que tamanho será
um suspiro de elefante?
Deve ser ainda maior
do que o maior dos gigantes…
E um soluço de elefante
de que tamanho será?
Deve ser tão grande quanto as árvores
de sua floresta distante…
O comedor de fogo
O comedor de fogo
tem uma fome estranha;
Não é fome de sonhos,
nem é fome de comida;
é uma fome de fogo.
Não é fome de céu,
nem é fome de algodão,
é uma fome esquisita:
uma fome de fogo.
Não é uma fome de flores,
nem é uma fome qualquer;
é uma fome aflita,
uma fome de fogo.
O anão
O anão equilibra uma risada
na palma de cada mão.
O seu trabalho é atrapalhar
o palhaço.
O anão tropeça a cada passo,
e o circo estremece
feito bolha de sabão.
O trapezista
Vai e vem o trapezista
se balançando no espaço.
Pula a cerca que separa
o circo do céu
e com a cauda de um cometa
faz um laço.
Vai e vem o trapezista
desarrumando as estrelas:
até a lua se assusta,
esconde o rosto no regaço.
Volta ao chão o trapezista
refazendo o mundo com seus passos.
O equilibrista
Está tão alto o equilibrista
que minha alma tropeça
em suas pernas, dança louca
feito roupa no varal.
Está tão perto do céu o equilibrista
que seus dedos arranham o sol
e de medo eu não ouso respirar.
Ouço seus passos de seda
como se andar no ar fosse fácil.
O malabarista
Embaralha tudo o malabarista:
embaralha os dedos,
embaralha a vista.
As garrafas pulas
como se fossem peixes,
como se fossem pássaros,
como se fossem cacos
de chuva brincando no mar.
Os pratos pulam
como se fossem naves,
como se fossem neve,
como se fossem navios
dançando no ar.
Os copos pulam
como se fossem pingos,
como se fossem pontos,
como se fossem sinos
assanhando o céu.
Tem quantas mãos o malabarista?
O acrobata
O acrobata desenha com o corpo
uma pirueta no céu:;
Pula e vira
salta e rola
dança e gira
solto no ar
como se fosse um balão.
O leão e o domador
Ao estalar do chicote,
o leão dá um pinote,
se encolhe no picadeiro.
Mas não é medo o que sente,
nem é susto;
é saudade, é tristeza…
Seu coração ficou perdido
para sempre na floresta.
O domador se orgulha,
estala a língua, o chicote.
se sente assim como se fosse
um rei todo poderoso.
Mas o que ele não adivinha
é que o leão de verdade
está longe, adormecido;
no palco, quem caminha
é a sombra do leão.
O palhaço
Que rosto será que se esconde
atrás do rosto do palhaço?
Será que não se cansa
de fazer tanta graça?
Onde será que arruma espaço
para guardar tanta dança?
Será que tem um armário
escondido bem no peito?
Será que leva a vida
sempre rindo desse jeito?
Ou será que às vezes também sente
uma tristeza danada?
Cansaço
A bailarina guarda os bailados
debaixo do travesseiro.
Alua atravessa a noite,
o circo todo é silêncio.
O mago guarda as magias
numa gaveta empoeirada.
O circo todo adormece,
enquanto as estrelas tecem
o sono de cada um.
O circo vai embora
No meio da madrugada
o circo partiu em segredo.
Não convém fazer barulho
quando um sonho se acaba.
Virou saudade, virou lembrança,
virou poeira no pensamento.
Pular corda
Se pudesse o menino pularia
corda
com a linha do horizonte,
se deitaria sobre a curvatura
da Terra
para sempre e sempre
saudar o sol,
encheria os bolsos
de terra e girassóis.
Mas chove uma chuva
fina
e o menino vai até a cozinha
fritar ideias
Vida
Cada criança que nasce
em qualquer lugar do mundo
com sua história que vai ser escrita
luz por luz,
dor por dor,
é minha.
Que sua vida se cumpra:
Sua morte também é a minha.
A palavra é de prata e o silêncio é de ouro
O silêncio é uma caixa
imensa onde cabem
e ressoam
todas as palavras
e há que pescá-las com cuidado.
Existem as redondas
e macias,
palavras vaga-lumes,
que iluminam a boca
de amor e doçura,
e outras com espinhos,
essa é melhor deixar
no fundo da caixa do mundo.
Dentro do silêncio
as palavras iluminadas
nadam
como peixes dourados.
Caixa
Carregamos pela vida afora
os cheiros dos encontros raros,
dos acontecimentos,
da nossa primeira casa,
do quintal, se houve quintal,
da mãe na cozinha,
dos sonhos quando acordamos.
Se houvesse uma caixa
para guardá-los, seriam
nosso tesouro.
E então, em dias de saudade,
abriríamos nossa caixa
e mergulharíamos
como num túnel do tempo.
A Lua
Beija-flor
Os Anjos
Surpresas
Falando de livros
Classificados poéticos
Receita de espantar a tristeza
Receita de olhar
O poeta
Palavra exata
O Lambe-lambe
O lambe-lambe lambe o tempo
(como se o tempo fosse
uma bala, um doce)
e vai pregando seus retratos.
No canto da praça
um velho, um menino,
lado a lado
o mesmo desbotado sorriso.
Atrás do pano preto
o lambe-lambe
e seus misteriosos pensamentos:
onde foi parar a moça
que ele fotografou um dia?
A moça rasgou seu coração
como uma velha fotografia
e partiu junto com o vento.
Num canto da praça
o lambe-lambe
e sua estranha galeria.
O médico
Para o médico, o corpo
não tem segredos:
é como uma fábrica,
uma orquestra,
uma casa com os móveis
todos no lugar.
O sangue corre nas veias
como um disciplinado rio.
O pulso bate com precisão,
afiado relógio marcando a vida.
Se alguma coisa se move
erradamente,
se alguma coisa se quebra,
o médico bota o corpo de castigo,
e vai escrevendo receitas
como cartas que o corpo entendesse.
A rendeira
A rendeira… seu ofício de aranha
tecendo beleza
me ajuda a tecer meus poemas.
Tem mãos de maga,
a rendeira,
tem mãos de espuma.
Não assina seu trabalho
com um nome,
mas com magia,
como um vôo de pássaro
assina o céu.
O vendedor de cocada
Lá vai o vendedor de cocada
com seu tabuleiro,
pano branco na cabeça.
Lá vai o vendedor de cocada
vendendo um mundo de coco:
cocada branca ou queimada
pra vida ficar mais gostosa.
Lá vai o vendedor,
tabuleiro na cabeça,
adoçando a calçada.
A arquiteta
A arquiteta gostaria
de projetar mil casas
por dia,
aéreas, subterrâneas,
casas de vidro e de paina,
redondas, de esvoaçantes
telhados.
Em frente à prancheta
a arquiteta sonha
o justo sonho
de todo mundo ter
onde morar.
Os catadores de papel
Pela cidade afora,
noite ou dia,
a qualquer hora,
os catadores de papel
são triste paisagem.
Vão juntando papel e pobreza,
moram assim,
nas praças, nos vãos,
em casa feita de nada.
Tenho tanta pena
dos catadores de papel,
agora moram aqui,
no meu poema.
Os músicos
Na casa dos músicos
as paredes são sonoras,
no teto moram acordes,
e nos vãos sustenidos se escondem.
Os pensamentos dos músicos
não são como os pensamentos comuns,
moram em outras altíssimas esferas.
Para nós, os outros,
eles constroem algodoados
caminhos de sons.
Para que nossa vida
fique mais leve,
fique mais bela.
A atriz
No camarim a atriz
cola uma outra alma
na sua,
um outro rosto
no seu,
e vão pro palco
assim tão grudados,
que é como um rio
navegando em outro
rio.
O palco suspenso
por um fio de magia
é a casa da atriz.
A bailarina
A bailarina,
como frágil lamparina,
como pequeno colar,
faz do ar sua casa,
sua estrada pontilhada
de água.
Entre uma estrela e outra
a bailarina descansa.
Ali onde os humanos
não podem ir,
só os loucos, os loucos
e os que sabem
que com um desejo
se constrói um planeta.
O pescador
Os sonhos do pescador
são feitos de espuma, de sal,
de muitos milhares de peixes,
como feixes de girassol.
Na rede do pescador
pedaços de luz e de prata,
seus sonhos materializados.
Em terra firme o pescador
é habitante provisório,
anda meio de lado,
cheio de silêncios marinhos,
suas mãos de alga.
As feiticeiras
Não sei se existe ainda
o ofício de feiticeira,
isso é coisa medieval.
Naqueles tempos
elas eram lenha de fogueira
com seus ardentes pensamentos.
Queria hoje ser uma delas,
virar tudo pelo avesso,
trocar as almas e os corações.
Fazer por um segundo
deste triste planeta
um outro mundo.
Os carteiros
Abrir uma carta,
o coração batendo,
é precioso ritual.
O que terá dentro?
Um convite, um aviso,
uma palavra de amor
que atravessou oceanos
para sussurrar em meu ouvido?
São como conchas as cartas,
guardam o barulho do mar,
o ar das montanhas.
Para mim os carteiros
são quase sagrados,
unicórnios ou magos
no meio dessa vida barulhenta.
O poeta
O poeta vai tirando da vida
os seus poemas
como pássaros desobedientes
e amestrados.
A palavra é o seu castelo,
sua árvore encantada,
abracadabra construindo o universo.
Receita contra dor de amor
Chore um mar inteiro
com todos os seus barcos a vela
chore o céu e suas estrelas
os seus mistérios o seu silêncio
chore um equilibrista caminhando
sobre a face de um poema
chore o sol e a lua
a chuva e o vento
para que uma nova semente
entre pela janela a dentro
Receita de acordar palavras
Palavras são como estrelas
facas ou flores
elas têm raízes pétalas espinhos
são lisas ásperas leves ou densas
para acordá-las basta um sopro
em sua alma
e como pássaros
vão encontrar seu caminho
Receita de inventar presentes
Colher braçadas de flores
bambus folhas e ventos
e as sete cores do arco-íris
quando pousam no horizonte
juntar tudo por um instante
num caldeirão de magia
e então inventar um pássaro louco
um novo passo de dança
uma caixa de poesia
Receita de pão
É coisa muito antiga
o ofício do pão
primeiro misture o fermento
com água morna e açúcar
e deixe crescer ao sol
depois numa vasilha
derrame a farinha e o sal
óleo de girassol manjericão
adicionado o fermento
vá dando o ponto com calma
água morna e farinha
mas o pão tem seus mistérios
na sua feitura há que entrar
um pouco da alma do que é etéreo
então estique a massa
enrole numa trança
e deixe que descanse
que o tempo faça a sua dança
asse em forno forte
até que o perfume do pão
se espalhe pela casa e pela vida
Receita de tocar o outro
Porteira aberta
para o universo cada
um é único
lugar sagrado
onde árvores antigas
e estrelas cantam
tocar o outro
em sua alma
como se fosse
uma flauta
Receita de olhar o fogo
Pula o fogo e dança
nos olhos
uma dança muito antiga
de rios caçadas cavernas
estrelas entrelaçadas
no fogo os pensamentos
se derramam
e os sonhos como poeira mágica
Amor não é só
Amor não é só de homem
por uma mulher
ou de mulher por um homem
amor é amor por tudo
que é justo e livre
amor é horror a tudo
que o ser inventa
para humilhar outro ser
Amor à primeira vista
Amor à primeira vista
é alma trocando de corpo
feito pássaro de ninho
é sede repentina
sede da água do outro
Pequenos luxos
Amor tem seus pequenos luxos
um pôr-de-sol caprichado
luar derramando água
uma flor recém-colhida
um verso equilibrado
na ponta dos dedos
amor tem seus pequenos luxos
de planta nascendo ontem
pedindo terra adubada
Folha seca
Amor não correspondido
vai virando tudo em deserto
vai calando a voz do mundo
vai tirando da água a sua nascente
amor não correspondido
vai tornando em folha seca
tudo o que toca com os dedos
até perder seus espinhos
e se deixar morrer nos vãos
de uma tarde qualquer
Fruta no ponto
Às vezes dá vontade
de agarrar a vida
com uma duas
dez mãos
e levar à boca
e trincar nos dentes
como uma fruta
no ponto
Banho-maria
Amor não deve ser mantido
em banho-maria
pois seus poderes
de luz e encantamento
se esvaem neste lento
cozinhar
amor pede fogo alto
grossas chamas
sol intenso
e muita pimenta
amor pede tempero forte
pede tudo em exagero
mel de se lambuzar
O primeiro beijo
O primeiro beijo
inaugura a casa
inaugura o corpo
talha a primeira pedra
do caminho
pode e deve ser doce
abelha inventando mel
pode e deve ser louco
doce vôo louco
no corpo do outro
Recado
Ao vento da noite
sussurro sete segredos:
tudo que tenho por fora
tudo que tenho por dentro
que o vento vá levando
minha sede de amor
pule cercas pule sebes
abra porteiras no mar
derramando meu recado
nos quatro cantos do ar
Caixinha mágica
Fabrico uma caixa mágica
para guardar o que não cabe
em nenhum lugar:
a minha sombra
em dias de muito sol,
o amarelo que sobra
do girassol,
um suspiro de beija-flor,
invisíveis lágrimas de amor.
Fabrico a caixa com vento,
palavras e desequilíbrio,
e para fechá-la
com tudo o que leva dentro,
basta uma gota de tempo.
O que é que você quer
esconder na minha caixa?
Proibido ou permitido?
É proibido pular o muro
pular a cerca
furar a lona
furar o cerco
para ver o circo de graça.
Mas também é proibido
criança não ver o circo
só porque não tem dinheiro.
Por isso diz o poeta:
É permitido pular o muro
pular a cerca
furar a lona
furar o cerco
para roubar um pouco de sonho
Transformação
Onda
Fábrica de poesia
* Ilustração do livro La Ola, de Suzy Lee
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