Vocês conhecem o quadro de incentivo? Pra quem não o conhece, é um quadro ou tabela que plasma as tarefas da rotina das crianças (escovar os dentes, fazer o dever de casa, arrumar o quarto, se vestir, etc.) e, conforme elas vão realizando tais tarefas, vão ganhando estrelinhas e, no final da semana, ganham um prêmio por terem realizado tudo corretamente. Algumas pessoas acreditam que se trata de uma ferramenta vinculada à Disciplina Positiva, mas a resposta é não…vou explicar o por quê.

Em primeiro lugar, nesse caso, o que motiva a criança a realizar suas tarefas é a possibilidade de ganhar um prêmio, além das estrelinhas que recebe (que não deixam de ser uma aprovação externa para sua satisfação). Na verdade, esse prêmio é uma pseudo motivação e não estará educando a criança, já que ela não está entendendo que as tarefas a serem realizadas são importantes para o seu desenvolvimento, pra sua autodisciplina, pra sua formação como pessoa. Quando a criança começa a realizar as tarefas, temos a falsa sensação de a estarmos educando, mas, se tirarmos o prêmio, provavelmente a motivação vai desaparecer. Ou seja, funciona como um adestramento, no qual a criança realiza alguma coisa para receber algo em troca.

Tudo que a criança deve aprender e fazer pra vida não deve ter uma recompensa associada, pois essa será seu único estímulo para atuar. Quando a gente foca no resultado e começa a recompensar a criança apenas por esse resultado, ela vai sempre se preocupar com ele, deixando de valorizar todo o processo de aprendizagem que está por trás e que a levou àquele resultado. Todo o esforço que a criança aplicou ficará, portanto, invalidado se ela não alcançar a esperada meta e não receber a aprovação externa (prêmio), e isso vai significar uma grande decepção pra ela.

Motivar e encorajar a criança é fazer com que ela se orgulhe de cada processo pelo qual passou, pelo empenho empregado, pela determinação em crescer e em aprender mais com a situação, ainda que o resultado não seja o mais satisfatório. No fim das contas, este é um extra, mas o caminho percorrido até ele deve valer muito à pena. Da próxima vez, ela se esforçará mais para ter um resultado melhor.

Além disso, devemos considerar que o dia em que a criança se chatear conosco ela deixará de realizar a tarefa, praticamente nos castigando. E, no dia em que aquela recompensa não mais a motivar, teremos que buscar outra pra substituí-la, e isso pode se tornar um caminho sem fim. No fim das contas, nem o prêmio terá tanto valor assim.

Costumo fazer um paralelo entre o quadro de incentivo e os rótulos que damos às crianças, tanto positivos como negativos. Está claro que os rótulos negativos (preguiçoso, chato, chorão, insuportável, briguento, etc.) afetam a autoestima da criança, lhe desencorajam, lhe desmotivam. A criança acaba por se identificar com o rótulo e passa a se comportar de acordo com ele, ainda mais quando o recebe de seus pais ou professores, que são suas referências.

É mais forte do que ela negar esse rótulo e a criança precisa ter a sensação de pertencimento. Mas, nem sempre temos clareza com relação aos rótulos aparentemente positivos (inteligente, bonito, organizado, estudioso, rápido, esperto, etc.). Estes são tão ruins quanto os anteriores, pois enquadram a criança naquela categoria e ela deixa, muitas vezes, de ser autêntica, para não
perder o rótulo. Sua essência fica comprometida e ela passa a depender da aprovação e do juízo dos outros para se sentir pertencente.

Vamos a um exemplo. Uma criança que recebe rótulos positivos, quando tenha que participar de uma competição da escola, vai focar no resultado para conseguir o prêmio (que seria a aprovação externa e a manutenção do seu rótulo). Se ela não conseguir o resultado, se decepcionará com seu
desempenho, podendo não querer mais se apresentar a novos desafios pra não frustrar a sua expectativa e a dos demais. Por outro lado, uma criança que não recebe esses rótulos, tem uma motivação interna de se aperfeiçoar e de aprender. Então, no caso da competição da escola, essa criança valorizará a competição em si como uma forma de progredir, de aprender, de se melhorar,
inclusive de se divertir, e terá uma maior tendência a querer novos desafios, pois o caminho percorrido terá muito valor.

Voltando ao quadro de incentivo. Ele vai ensinar a criança a se motivar por um prêmio e não porque as tarefas da rotina são importantes para o seu desenvolvimento. Vai ensinar que a criança tem que ser perfeita pra merecer o prêmio, e não o valor que tem uma criança de se orgulhar do seu desempenho seja ele qual for, e que, mesmo que não seja o esperado, ela buscará ser melhor da próxima vez. Essa forma de encarar os desafios vai ajudar a criança a desenvolver sua autoestima, sua autoconfiança, pois não vai depender de nenhum fator externo pra se valorizar.

A Disciplina Positiva não tem como ferramenta encorajar as crianças com base em prêmios e em elogios. Ela propõe que a criança aprenda o sentido de cooperação e colaboração para aprender, assim, a se autodisciplinar. E com o tempo, a criança que coopera e colabora vai se sentindo orgulhosa de si mesma, de que ela é parte naquele contexto social e de que sua conduta é muito importante para o equilíbrio da família e da sociedade como um todo. Ela vai aprender que as decisões que tomar têm consequências e que os erros que cometer são oportunidades maravilhosas de aprendizado. E de que sempre se poderão buscar soluções respeitosas para se resolver qualquer questão.

A Disciplina Positiva tem sim como ferramenta um quadro de rotinas, mas não com um prêmio associado. Esse quadro, que vai ser elaborado junto com as crianças, vai guiar suas rotinas, de maneira que elas tenham mais autonomia nas suas tarefas e se sintam mais capazes e motivadas. Assim, os pais não têm que estar atrás delas dizendo o que tem que ser feito em cada momento.

Uma forma de adaptar o quadro de incentivo com o de rotinas proposto pela Disciplina Positiva é, no caso de a criança ficar realmente motivada em colocar estrelinhas, seja ela quem as cole, e que não haja qualquer prêmio no fim da semana. Nesse caso, o estímulo dela será interno, em ver que está realizando suas tarefas corretamente, e não externo, proveniente da aprovação de um adulto.

Ela vai se orgulhar de como está sendo o processo de aprendizagem quando olhar para o quadro de rotinas que ela está completando. Então, tenhamos cuidado com algumas propostas que parecem ser educativas, mas que na verdade estão recompensando as crianças por algo que elas têm que aprender para a vida. Se o incentivo para realizar a tarefa for receber um prêmio, o dia em que não tiverem esse prêmio ou que este não mais as satisfizer, não estarão motivadas para seguir adiante.

* Texto de Daniela Gusmão Barreto
Educadora Parental em Disciplina Positiva certificada pela PDA
Criadora do Canal do YouTube Geração de Amor – Daniela Gusmão
Instagram: @dgbgeracaodeamor
Facebook: www.facebook.com/dgbgeracaodeamor

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14 Comentários

  1. Cássia Gonzales Responder

    Tenho 3 filhos adolescentes que são bem disciplinados e entendedores de suas tarefas e obrigações como sendo essencial ao bom andamento da funcionalidade da nossa casa, da nossa família.
    Nunca usei moeda de trocas para que realizassem suas tarefas. Sempre estimulei ensinando, dando exemplos e explicando exaustivamente o por quê da necessidade de fazerem isso ou aquilo. Muito “sermão”, muita reflexão junto a eles para que entendessem tudinho rs… Claro, o processo continua, pois ainda estão em desenvolvimento contínuo! Não concordo com recompensas para aquilo que deve ser obrigação de toda pessoa comprometida com o bem estar próprio e alheio. Obviamente sempre fui uma entusiasta quanto aos avanços de cada um deles. O que é diferente. Celebramos juntos cada conquista pessoal, o que é julgo importante. Mas “passar de ano” é obrigação! Arrumar suas coisas, seu quarto e colaborar nas tarefas domésticas é obrigação. Minha caçula gosta de fazer uma lista de rotina que aprendeu na escola desde pequena, e ela se sente bem com esse método, mas é apenas um guia para se organizar, o que a faz sentir-se muito orgulhosa ao ver que fez tudo o que planejou para o seu dia. E é isso. Aqui deu certo e continua produzindo bons frutos. Não acho saudável que façamos coisas buscando aprovação ou apenas para alcançar prêmios. Muito importante entender que obter sucesso e bons resultados geram consequências que nos brindam com uma vida melhor! São escolhas! E foi assim que criei meus filhos.

  2. Karina, eu discordo da sua colocação quanto ao quadro de incentivo. Eu percebo que quando bem empregado ele pode sim, ser uma alternativa educativa. Não pode-se julgá-lo pelo fato de usar prêmios e elogios como recompensa, afinal… todos nós nos comportamos porque fomos “premiados” e elogiados ao longo de nossas vidas. Por exemplo, quando uma criança começa a dar seus primeiros passos ela é altamente estimulada por elogios, aplausos, sorrisos e muita atenção. Depois, essa criança percebe o valor do andar por si só e permanece neste comportamento, não mais, pelos elogios, mas pelo próprio prazer em andar. Isto é, nenhum adulto fica dependente de aplausos para continuar andando. Assim acontece com o quadro de incentivo. Você estimula os primeiros comportamentos corretos, para que a criança, com o tempo, descubra sozinha o prazer de continuar a apresentar estes comportamentos. E os pais vão esvanecendo os reforçadores a medida que percebem que aquela criança já pode se comportar sem ajuda. Lembre-se que todos nós funcionamos por meio de motivação, sendo assim, seria injusto pensar que a criança não vá necessitar de uma motivação para se comportar. Adultos trabalham por motivação (recompensa financeira), por exemplo. Então, eu acho que este tipo de quadro é funcional, principalmente para crianças pequenas, que ainda não compreendem a importância de realizar determinadas tarefas. Mas, super entendo seu ponto de vista, muitas pessoas tem essa visão do quadro, por não saber a forma correta de aplicá-lo e conduzi-lo.

  3. No caso de uma criança autista, o que você recomenda?
    Muitas vezes acho a disciplina positiva muito centrada em neurotípicos…

  4. Kate de Paula Responder

    ou seja, se for um quadro de tarefas em que apenas é marcado se a tarefa ou regra foi realizada ou não, mas sem nenhum tipo de recompensa, aí sim poderia ser, certo? Vi um modelo pelo instagram @zoeh.studio e me interessei justamente pq não tem a abordagem da recompensa. O q vc acha?

    • Karina Responder

      Oi Kate, eu continuo lendo muito sobre o quadro de incentivo e o quadro de rotinas. Honestamente, nenhum dos dois me convence. Ainda que escreva sobre eles, porque tenho tentado entende-los, não vejo que possam ser uma ferramenta para ser utilizada a médio e longo prazo. Vejo que possam servir para um período curto. Em nossa casa, o que nos serve é uma rotina normal e repetida nos dias da semana. Dessa forma, nunca nos foi necessário dar incentivos porque escove os dentes ou durma na hora ou apague a televisão. Cada tarefa está em uma sequência e assim segue.

  5. Estava procurando um modelo de quadro de incentivo quando encontrei seu texto. Esta pandemia está nos deixando tão estressados que precisava de algo rápido pra melhorar a convivência por aqui. Mas refletindo junto com o texto percebi que a recompensa realmente não é o caminho . Obrigada pelo texto ! Vou montar um quadro de rotina que acredito que já vai melhorar muito a nossa vida!

  6. Izabela Claudino Responder

    Mas e se mesmo com o quadro de rotina a criança dizer que não irá fazer? Implica alguma ação? Deixamos sem algo que não gosta?

    • Karina Responder

      Olá Izabela, como está?

      O quadro de rotina não funciona com todas as crianças. Ainda que seja uma ferramenta interessante para ajudar no dia-a-dia, pode ser que, para seu filho, não seja a mais adequada.

      Aqui em casa, temos presente a possibilidade de recorrer ao quadro de rotinas. No entanto, ainda não foi preciso. Mas, temos muito bem estabelecidas todas as rotinas, logo, não temos dificuldades para que Laura as cumpra.

      Conheço várias famílias que sentem dificuldade com as rotinas quando tem sempre horários muito confusos e excessos de atividades. A criança precisa apenas de uma ordem e hábitos que se deem na mesma sequência, não necessariamente, na mesma hora, já que um dia pode atrasar ou se adiantar.

  7. Achei muito interessante a abordagem, vi um outro lado que não havia pensado. Fiz um quadro pra que minha filha com quase 6 anos tenha mais autonomia e eu não fique falando o que ela precisa fazer , acho q isso torna a rotina exaustiva, ainda mais em tempos de pandemia. Ela tem a opção de não fazer também, mas diminuo o tempo de jogar no celular no dia seguinte. O resultado tem sido positivo, ela faz tudo e entende os horários e quando não quer fazer abre mão de suas horinhas de cel substituindo por outras atividades.

  8. JAQUELINE MAIA Responder

    Fiz o quadro de recompensa e realmente não funcionou. Já levei minha filha ate em psicologo e nada. To desesperada nãos ei mais o que faço. Vou tentar sua sugestão com o quadro de rotina..sej ao que Deus quiser

    • Karina Responder

      Elton, a ideia de prêmios não é uma boa alternativa a longo prazo. A curto prazo sim. Se você diz à criança: “Você vai ganhar um prêmio se fizer toda a tarefa”. O melhor é, junto com a criança, estabelecer normas e regras a serem cumpridas, por exemplo, uma ordem nas rotinas que marquem a sequência de ações a serem desenvolvidas. A criança deve saber que há limites. E, ainda assim, tenha claro que, mesmo estabelecendo normas juntos, será preciso muita paciência e repetir um milhão de vezes até que a criança incorpore a ação como algo rotineiro em sua vida.

  9. Você teria um modelinho de quadro de rotinas da disciplina positiva? Sei que a proposta é fazer junto com a criança de acordo com a rotina da casa, mas pergunto referente a fotos, organização do quadro, etc… Grata.

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